ACÚSTICA DA ARENA MRV

Acústica da Arena MRV: o que deu errado? Atlético analisa, e especialista propõe soluções

No Ataque conversou com arquiteto especializado em acústica, elencou as principais críticas e escutou jogador do Galo sobre o tema
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Novo estádio do Atlético em Belo Horizonte, a Arena MRV  é um marco na história do clube. Internamente, a avaliação é positiva em vários aspectos. Contudo, uma das preocupações que saltam aos olhos de torcedores do Galo – e da própria diretoria – é a acústica da casa alvinegra. São frequentes os debates sobre a reverberação do som dentro do local. Diante disso, o No Ataque ouviu um especialista para tentar entender os possíveis problemas do projeto, bem como eventuais soluções. A reportagem também procurou o clube mineiro, que segue em fase de estudos sobre o assunto.

O que o Atlético esperava ter na acústica da Arena MRV?

O projeto da Arena MRV, segundo os idealizadores, foi concebido para proporcionar um “efeito caldeirão” na parte de dentro, sem que o som incomodasse a vizinhança. Respeitar um determinado nível de decibeis nos arredores do estádio era obrigatório para que o Atlético obtivesse o licenciamento junto à Prefeitura de Belo Horizonte (PBH).

O clube explicou que optou pela instalação da “lã de rocha” nas coberturas do estádio. O material de revestimento auxilia na proteção termoacústica da Arena MRV. Trata-se de um tipo de fibra, extraída de rochas basálticas especiais e de outros minerais.

Durante o período de obras, profissionais contratados pelo Atlético explicaram repetidamente a estratégia para potencializar os cantos de torcedores. E projetaram, em tom otimista, a reverberação dos cantos dos atleticanos – algo que, meses depois, viria a ser um problema.

“Isso foi premissa básica do projeto. A cara do atleticano é um estádio com pressão, com a gritaria da torcida. Então, tivemos que partir dessa premissa para a concepção do projeto. Com 8,5 metros na lateral e 10,25 metros de fundo, atendendo aos parâmetros mínimos da Fifa, vimos que a gente conseguiria trazer o torcedor do Atlético para o mais perto possível do campo.”

Klauss Oliveira, coordenador do projeto da Arena MRV na Farkasvölgyi Arquitetura, à GaloTV, em maio de 2020

“O que a gente quer? Que o som bata na cobertura e volte, reverbere total. Eu queria até mais, colocar caixa de som na cobertura, para além disso tudo ir na caixa de som e reverberar, mas acharam que eu estava exagerando. Vai ser inacreditável. Quando você está ali dentro do campo, é muito perto. E mais, a gente tem só quatro saídas de túnel e as saídas dos jogadores. No Allianz Parque são nove. É grande demais, o som vai embora. As nossas, como vão para o terceiro andar e ali está fechado, volta. Foi tudo muito bem pensado. Aquilo ali é para assustar o time adversário”.

Bernardo Farkasvölgyi, arquiteto da Arena MRV, ao Fala Galo, em agosto de 2022

“A experiência que o torcedor vai ter é de uma acústica onde todo o som da Arena MRV, da paixão, vai ser refletido para o campo, para o jogador. Todo o sentimento que o torcedor quer vai ser refletido para o jogador.”

Pablo Salazar, engenheiro envolvido na construção do estádio, ao canal da Arena MRV no YouTube, em novembro de 2021

“Uma das soluções que garantirá esse efeito caldeirão na Arena são as distâncias da arquibancada em relação ao campo. Uma outra solução que vai contribuir para esse efeito caldeirão é a cobertura. Ela tem a característica de ser uma cobertura acústica, o que foi uma das exigências legais no processo de aprovação do projeto. Cada torcedor que está na arquibancada emite um som que vai para o campo. Esse som reflete na cobertura e, somado ao som que é emitido por cada torcedor, chega ao campo com um volume muito maior. Por isso esse efeito caldeirão. Ela (a cobertura) também contribui para a acústica no seguinte sentido: ela não deixa o som que vai ser gerado na Arena passar para o meio externo, incomodando a vizinhança, então vai respeitar os parâmetros mínimos de norma que devem ser seguidos. Na questão da acústica, ainda vai proporcionar um som de qualidade, sem deixar gerar eco dentro da Arena.”

Patrícia Costa, arquiteta que participou da construção do estádio, em entrevista ao canal da Arena MRV no YouTube, em novembro de 2021


As críticas dos torcedores do Atlético

Nas redes sociais, muitos torcedores do Atlético têm criticado a reverberação do som na Arena MRV. Frequentemente, circulam na internet vídeos que mostram as diferenças entre os setores no estádio.

Em alguns deles, é possível observar o principal espaço de torcidas organizadas do Galo em movimento durante momentos mais “acalorados” das partidas. O som dos cânticos, no entanto, não se espalha por todo o local.

Como o som das arquibancadas chega ao campo na Arena MRV?

Em entrevista exclusiva ao No Ataque, nesta semana, o volante Otávio abordou o tema. Na avaliação do atleta, o “barulho” da torcida é mais forte no Mineirão, onde o Atlético atuou por décadas.

“Sem dúvida, nossa casa é a Arena MRV. A gente não pode querer jogar em outro estádio a não ser a Arena. Sobre o barulho, sem dúvida no Mineirão a gente sentia o barulho mais forte da torcida. Pressão, mais vibrante, o estádio vibrava mais. Na Arena MRV, na hora que a gente entra no estádio, é o momento mais vibrante”, analisou. 

“Não sei se é por conta de todo o espetáculo que o clube criou nesse início da partida. Depois, a gente até escuta, mas é que focamos na partida e não no externo. Quando está lotado o estádio, a gente sente o barulho, mas não tão vibrante quanto a gente tinha no Mineirão. Se é um problema de acústica, aí já faz parte do pessoal do clube”, acrescentou.

Otávio em jogo do Atlético na Arena MRV | Pedro Souza/Atlético

O volante destacou, de toda forma, a certeza de que o clube fará o possível para ampliar a reverberação do som no estádio. Ele assegura que os jogadores têm tido cada vez mais identidade com a Arena MRV. 

“Mas tenho certeza que o que for possível para o clube melhorar, ele vai fazer. Eu sinto que temos cada vez mais identidade de sentir a Arena MRV como nossa casa, um estádio no qual os adversários quando virem eles têm que se sentir intimidados com a força do nosso torcedor, e nós atletas demonstrarmos isso, que queremos vencer do primeiro ao último minuto”, encerrou.

É importante ressaltar que o teto do Mineirão é feito majoritariamente de concreto. Naturalmente, o som reverbera com maior intensidade em estádios com esse tipo de cobertura.

A reportagem apurou com fontes do Atlético que o clube enxergou como inviável a construção de uma arena moderna com teto de concreto. A cobertura da Arena MRV se assemelha às de outros estádios mais recentes no Brasil, que contam com estrutura metálica.

Como a diretoria do Atlético avalia o tema?

O No Ataque procurou envolvidos no projeto da Arena MRV para entender melhor os problemas relacionados à acústica do estádio. Em entrevista exclusiva à reportagem em 25 de março, no aniversário de 116 anos do Atlético, Bruno Muzzi (CEO da SAF) comentou o tema.

Bruno Muzzi, CEO da SAF do Atlético, em entrevista exclusiva ao No Ataque - (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Bruno Muzzi, CEO da SAF do Atlético, em entrevista exclusiva ao No Ataque(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

“A gente está atuando em duas frentes. Então, a Arena está pronta, entregue e funcionando. Agora, nós vamos trabalhar em outras alternativas. Por exemplo: a sonorização da Arena. A gente tinha um projeto de sonorização, que obviamente com a limitação de recursos, fez metade dele. Agora, acabamos de assinar um contrato, e a gente vai fazer um pouco mais”, explicou o CEO.

“Vamos colocar mais 20 subwoofers (aparelho de reprodução sonora desenvolvido para reproduzir as frequências mais baixas do som) ali, graves de alta performance para poder melhorar a pressão sonora em shows e também nos dias de jogos. E a gente está trabalhando também em uma nova concepção para poder tentar reverberar um pouco mais do barulho ali para dentro. Então, está tudo planejado, dentro do script”, acrescentou o dirigente.

O que diz o arquiteto da Arena MRV

Em contato com a reportagem, o arquiteto Bernardo Farkasvölgyi ressaltou não ter sido o responsável pelo projeto acústico da Arena MRV – mesmo tendo dado declarações positivas a respeito do tema no período de obras. Dias depois, ele usou o Instagram para um posicionamento mais completo sobre o tema.

“Eu não sou responsável pelo projeto de acústica, é um outro profissional. Não sou eu. Não tenho nada para acrescentar em uma entrevista. Todo mundo está me procurando, mas não é problema meu. Eu não fiz o projeto de acústica – assim como não fiz o cálculo estrutural, de incêndio, elétrica. Essa entrevista tem que ser com o Atlético”, disse o arquiteto à reportagem.

O No Ataque ainda apurou que não houve mudança no projeto acústico ao longo da construção da Arena. Ou seja, a ideia inicial foi mantida até a finalização das obras do estádio.

Atlético estuda melhorias na acústica da Arena MRV

Também em contato com o No Ataque, o Atlético reconheceu que a acústica da Arena MRV pode receber melhorias. O clube assegura que está estudando tecnologias para ampliar a reverberação dentro do estádio, sem exceder o limite de decibeis que alcançam a vizinhança.

“O clube está ciente dos fatos e das reclamações e já estuda alternativas há algum tempo com relação à reverberação do som dentro da Arena. Já estão sendo feitos estudos desde o começo do ano e, a partir deles, será feito o projeto. Importante ressaltar também que a construção da cobertura cumpriu todos os requisitos para obter o licenciamento”, posicionou-se a assessoria de imprensa da Arena MRV à reportagem.

O No Ataque também tentou contato com a empresa responsável pelo projeto acústico da nova casa alvinegra, via assessoria do estádio. Apesar disso, até a publicação desta matéria, não se obteve retorno.

Especialista analisa acústica da Arena MRV e propõe soluções

O No Ataque também conversou com o arquiteto Victor Mourthé Valadares para entender melhor possíveis problemas e soluções para melhorar a acústica da Arena MRV.

Professor na Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) desde 1997, ele é mestre em Engenharia Civil pelo Centro Tecnológico da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP), por meio do Instituto de Psicologia (IPUSP), pelo Programa de Psicologia Social. 

Victor tem experiência na abordagem das ambiências térmicas, luminosas e acústicas no ambiente construído, além de abordar temas como conforto acústico, medições acústicas, acústica arquitetônica, entre outros. 

Durante a conversa com a reportagem, o arquiteto ressaltou que não há como identificar o que causou problemas na acústica da Arena MRV sem acesso ao projeto. De toda forma, Victor explicou que a acústica do estádio está diretamente relacionada à cobertura. 

“A forma côncava, essa superfície sendo de um acabamento liso e duro, como é uma estrutura metálica, tem certa reflexividade. Me parece que devem ter optado por um revestimento mais reflexivo, com o direcionamento da energia para o gramado”, iniciou.

“Agora a outra questão é da qualidade acústica das próprias pessoas na arquibancada. Essa concavidade pode, de certa forma, não criar uma boa distribuição da energia sonora, porque quando você tem concavidade pode ter pontos de focalização do som”, prosseguiu.

Victor afirmou que há a possibilidade de o formato da cavidade da cobertura ter prejudicado o projeto em termos acústicos. Ou seja, o som até se expande pelo estádio, mas as pessoas não conseguem identificar o que está sendo cantado em diferentes setores. 

“O problema que deve estar acontecendo na Arena é que, quando tem uma cavidade muito grande, o volume daquela concha, está havendo uma reverberação excessiva por causa das reflexões, que está dificultando as pessoas a terem uma boa inteligibilidade sonora nas arquibancadas. Tenho até a impressão sonora, mas não consigo distinguir”, disse.

A instalação da lã de rocha

Neste sentido, muitos torcedores especularam que a aplicação da lã de rocha poderia ter atrapalhado na reverberação do som. Victor apontou que, de fato, a medida pode ter gerado impacto negativo. 

Apesar disso, o Atlético entende que a instalação apenas contribuiu para que o barulho não ultrapasse o limite de decibeis permitido nos arredores, conforme apurou a reportagem.

“Eu não sei como ficou o revestimento. Esse tratamento de lã, você tem um recurso que faz a projeção da fibra com cola e isso reveste a telha. Tenho a impressão de que não fizeram esse revestimento e deixaram isso à vista. Pode acontecer, a lã tem essa função térmica, que corta o fluxo do calor, e esse efeito da absorção sonora. Mas para isso, ela precisa estar exposta de alguma forma”, explicou. 

“Se essa lã não tiver comunicação com a cavidade do ar de onde vem o som, ela só vai ter o efeito térmico e, eventualmente, ter esse efeito de diminuir o impacto do pingo da chuva, mas não na qualidade acústica interna do estádio. Teria que ver como essa lã foi aplicada”, ressaltou Victor.

Como resolver o problema?

Victor Mourthé propôs diferentes soluções para o desafio da acústica na Arena MRV. Uma das possibilidades é por meio da sonorização, um reforço eletrônico do som, captando o barulho e o devolvendo onde se tem interesse.

Além disso, o Atlético pode trabalhar com outras opções. Duas delas, no entanto, demandam mais trabalho e investimento por parte do clube. 

“Como trabalhamos isso? Pode quebrar esse excesso de forma côncava, trabalhando de forma superficial o revestimento para fazer uma pulverização desse som e não deixar criar esses focos, mas teria que fazer todo um trabalho de revestimento interno”, apontou Victor.

“Existe a tecnologia da telha perfurada, mas como eles já instalaram, vai ficar muito caro, porque eles poderiam fazer uma subcamada e colocar uma telha perfurada por baixo. Essa cavidade de ar com a telha perfurada pode ser dimensionada para dar a quantidade de absorção que você estaria precisando”, continuou.

Por fim, o arquiteto propôs a implementação de uma lona no teto do estádio, com o propósito de melhorar a reverberação do barulho.

“Mas tem um outro recurso que é colocar tipo uma lona, um material mais têxtil. Colocar e esticar, como se fosse uma tenda, bem próxima à cobertura atual. Essa tenda vai prover uma boa absorção e vai ficar muito mais em conta”, finalizou.

O Atlético terá mais um compromisso na Arena MRV nesta quarta-feira (17/4), às 20h, quando enfrentará o Criciúma, pela segunda rodada do Campeonato Brasileiro.

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