DIA INTERNACIONAL DO ORGULHO LGBT

Dia do orgulho LGBT+: atletas falam sobre apoio e preconceito no vôlei e no futebol

No Dia do Orgulho LGBT, o líbero Maique, a oposta Kisy, o ponteiro Douglas Souza e a atacante Byanca Brasil falam de experiências no esporte
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Compreender-se e aceitar-se é um processo conturbado para muitos. Antes de enfrentar o julgamento da sociedade, é preciso lidar com os próprios sentimentos. Em celebração ao mês do orgulho LGBTQIAPN+, atletas de futebol e vôlei contaram ao No Ataque sobre como o esporte se estruturou como espaço de conforto no momento da descoberta. Eles ressaltam, contudo, que a batalha é diária e está distante do fim. 

Seja no vôlei masculino e feminino, ou no futebol masculino e feminino, as histórias têm semelhanças, embora algumas esbarrem em maiores dificuldades. O preconceito, o medo, a coragem, o apoio e o sucesso fazem parte da vida dos atletas da comunidade LGBT que escolheram o esporte como propósito de vida.

O vôlei como sinônimo de acolhimento

Em entrevista exclusiva ao No Ataque, Maique, líbero do Minas, disse que se entendeu como gay quando já praticava vôlei, ainda nas categorias de base. 

“(O esporte) foi o divisor de águas, porque o meu ciclo, onde eu jogava, até mesmo na minha cidade, eu tinha muitos amigos também gays. Ali, foi um ambiente onde eu me sentia confortável, acolhido, onde eu realmente era eu mesmo. Foi importante passar pelo processo ali e saber que havia pessoas assim como eu. Foi mais leve e tranquilo”

Maique, líbero do Minas 

Ainda assim, o atleta vivia cercado pelo receio. O medo de não chegar ao profissional por não se encaixar nos padrões ecoava na mente do atleta. 

Com o passar do tempo, as pessoas passaram a dar a devida atenção às questões sociais. A inclusão e o respeito se tornaram pauta, embora não prevaleçam em todos os espaços.

“O preconceito ainda existe, mas quando eu era mais novo, era algo bem mais notório. E eu tinha muito medo de me expor”, analisou. Pais de atletas rivais eram os principais limitadores: “Eu me destacava. E ouvia os pais me chamando de ‘viadinho’, ‘gayzinho’, entre outras coisas”, falou.

Maique, líbero do Minas

No profissional, a situação mudou. Maique conta que não precisou lidar com ataques homofóbicos de torcedores ou companheiros de quadra. A realidade do líbero minas-tenista evidencia como o esporte pode contribuir com a inclusão.

“Eu me sinto acolhido. Por todo lugar onde passo e jogo, as pessoas são muito queridas, carinhosas, admiram minha pessoa, meu trabalho. Tento retribuir da melhor forma possível, sendo quem eu sou, entregando carisma, alegria”, relata.

Maique acredita que o esporte evoluiu, já que quem o pratica é mais respeitado e compreendido. Mas enxerga a busca por respeito como uma “luta diária”. 

Outra questão apontada pelo atleta é a diferença entre o público que consome vôlei masculino e feminino.

“A maioria, creio eu, do público feminino é torcedor gay. Então, acho que tem esse acolhimento de forma mais fácil do que no masculino. O masculino, pelo fato de ser mais agressivo, muitos homens héteros gostam de acompanhar. Não estou generalizando. Acho que pelo fato de ter mais héteros acaba tendo esse tipo de preconceito, ainda mais quando envolve torcida de futebol. Se não tiver ali o domínio da situação, acaba virando algo muito tóxico” – Maique, líbero do Minas 

‘Quando envolve alguma torcida de futebol’…

Quem sofreu ataques homofóbicos recentemente foi o campeão olímpico Douglas Souza. Em 5 de junho, o Cruzeiro anunciou a contratação do ponteiro. No post da apresentação, alguns perfis não se intimidaram e deixaram comentários agressivos ao atleta de 28 anos.

Rapidamente, outros torcedores celestes o defenderam. Em seguida, o clube se posicionou contra as manifestações preconceituosas, reiterou compromisso com o respeito e a inclusão e desejou boas-vindas ao campeão olímpico: “Douglas Souza tem um currículo com conquistas que muitos sonham. Ele foi contratado pelo jogador que é, com habilidades excepcionais que o colocam entre os melhores do mundo. E a chegada deste atleta reforça para todos nós uma mensagem vital: no esporte, assim como na vida, o respeito é inegociável”.

Douglas Souza se tornou o primeiro jogador da Seleção Brasileira Masculina de Vôlei a assumir a homossexualidade, em 2018. Desde então, lida com ataques preconceituosos. Não à toa, abriu mão de defender a equipe nacional. De acordo com o próprio atleta, a decisão, compartilhada em março de 2022, tem relação com a saúde mental e foi impactada também pela orientação sexual.

Ainda assim, o ponteiro prefere focar no legado que tem construído. Em entrevista exclusiva ao No Ataque, disse como se sente sendo um dos maiores representantes esportivos da comunidade LGBT.

“Muito privilegiado! Fico muito feliz e honrado em poder representar a minha comunidade. É uma responsabilidade muito grande, mas tenho aliados comigo que facilitam muito o meu trabalho”

Douglas Souza, ponteiro do Cruzeiro
Douglas Souza foi campeão olímpico em 2016 - (foto: Reprodução/Instagram)
Douglas Souza foi anunciado pelo Cruzeiro(foto: Reprodução/Instagram)

Além de seguir conquistando títulos em quadra, o campeão olímpico acredita ter uma missão: “Deixar como legado a liberdade de viver sem medo, de ser quem você é e ocupar os espaços que deseja sem a preocupação de ser julgado ou excluído”.

Para Douglas Souza, tornar o ambiente do esporte mais inclusivo não é tarefa difícil: “Mais oportunidades e que as pessoas sejam tratadas pelas profissionais que são”.

No país onde os integrantes da comunidade LGBT são colocados à margem e compõem estatísticas negativas, a busca pelo respeito não deve se limitar às quadras e aos campos.

Segundo dossiê publicado em maio deste ano pelo Observatório de Mortes e Violências LGBTI+ no Brasil, 230 mortes LGBT de forma violenta foram registradas no país em 2023. Dessas, 184 foram decorrentes de assassinatos. O número total representa uma morte a cada 38 horas.

O apoio no vôlei feminino

Dar visibilidade e atenção ao assunto são maneiras de promovê-lo. É também por isso que o público do vôlei feminino abraça o movimento LGBTQIAPN+.

Em entrevista exclusiva ao No Ataque, Kisy, oposta do Minas, menciona as atletas consideradas por ela ‘pioneiras’ na questão.

“A Carol Gattaz, a Carolana. Diversas meninas foram pioneiras para que esse assunto fosse mais falado, principalmente neste ano. Tem que ser normalizado. As pessoas não podem achar que podem ofender o outro pela orientação sexual. A gente não escolhe, apenas ama da nossa forma. Existe uma fala maior, mas o mundo precisa evoluir muito mais. Amor é amor”, citou.

Antes de se assumir, Kisy vivia atordoada pelo receio. Existia o medo do julgamento nas redes sociais e dentro de casa, pela família e pelos amigos. Mas o tempo contribuiu: “Minha melhor amiga me ajudou muito nisso. Eu fui entendendo que aquilo não era de outro mundo, que estava tudo bem eu ser assim, estava tudo bem eu me aceitar desta forma”. 

Até porque, antes de tornar a sexualidade pública, a atleta minas-tenista precisou superar o próprio preconceito: “Eu demorei muito para me aceitar. Muito, muito, muito. Eu ficava lutando, falava ‘não, não é isso que eu gosto, não posso’. Até o dia que decidi me libertar. Falei ‘é isso que eu quero, eu vou bater no peito e vou. Essa é a Kisy’”.

Kisy, oposta do Minas e da Seleção Brasileira

Mesmo esclarecida, a oposta foi alvo de julgamentos: “A primeira vez que postei sobre, recebi muitos ataques de pessoas falando da minha família, que meus pais eram pastores, falando muitas coisas pra mim que, na realidade, não precisavam. Sempre tive certeza do que sentia e de quem era. Depois de algum tempo, isso não me incomoda mais”.

Hoje, Kisy vive um relacionamento com Amanda Danielli, ponteira do Osasco. Se no meio do esporte o casal é amado pelos fãs, fora das quadras o preconceito velado em forma de olhares acompanha as duas.

“Somos pessoas normais e está tudo bem você se atrair por pessoas do mesmo sexo ou de outro sexo. Todo mundo tem que ser feliz. No fim, é tudo amor”

Kisy, oposta do Minas

A luta e a resistência de Byanca Brasil

Quando o acolhimento existe dentro de casa, enfrentar o mundo lá fora se torna uma batalha menos dolorida. Em entrevista exclusiva ao No Ataque, Byanca Brasil, atacante do Cruzeiro, conta ter recebido apoio dos pais e dos irmãos desde o momento em que se assumiu, em 2014. 

“Obviamente, existem olhares, comentários em fotos e vídeos. Mas sempre fui muito bem abraçada pelas pessoas que sempre me importaram. Desde pequena, fui ensinada a criar essa casca, essa personalidade que tenho, então nunca foi um problema”

Byanca Brasil, atacante do Cruzeiro

Seja nas redes sociais ou dentro das quatro linhas, a jogadora é ativista do movimento LGBTQIAPN+. Na final do Campeonato Mineiro Feminino de 2023, ao marcar o gol do título celeste, a camisa 10 da Raposa levantou a bandeirinha de escanteio com as cores do movimento LGBT. Além disso, usava tranças com as cores da comunidade. 

Byanca ressalta a importância da luta e, principalmente, como isso pode impactar as gerações futuras, que se espelham nas ações dela. 

“Sempre tive dentro de mim essa vontade, de lutar pelas bandeiras, não só pela LGBT, mas por todas que quero brigar. Só que sempre tive muito medo de me expor, pela opinião dos outros. Só que hoje entendo que é muito importante eu me posicionar. Não é uma coisa só para a Byanca, mas também para outras meninas, não só no futebol, fora dele também, porque eu recebo muito retorno sobre isso”, destaca.

Byanca Brasil na final do Campeonato Mineiro, em que o Cruzeiro foi campeão

O ambiente, contudo, nem sempre é confortável. Para Byanca, é importante ter o apoio do clube para continuar se posicionando. Nas redes sociais, ao mesmo tempo que a maioria parabeniza a atleta pelas ações, há a presença de preconceituosos, que ainda destilam homofobia. 

“Sempre tive a vontade de me posicionar, mas nunca tive respaldo, esse alicerce que tenho aqui no Cruzeiro, com pessoas que me ajudam a entender como lutar, saber como falar e estar pronta. O importante é ter o respaldo. Estamos compreendendo o papel dos clubes e as atletas entenderem a responsabilidade nas redes sociais. Quando vem o microfone, colocar o assunto na mesa. Muita gente preconceituosa não aceita, mas não é para aceitar, é para respeitar”. Mas tudo que eles querem é isso, atenção. De mim não vai ter, porque vou sempre brigar e me posicionar da melhor forma possível”, afirma.

A inspiração para dar voz às pautas e lutas veio de uma grande ídola no futebol feminino: a atacante Cristiane, que defende o Flamengo e a Seleção Brasileira. Casada há quase quatro anos com a advogada Ana Paula Garcia, ela é uma das líderes do Brasil, ao lado de Marta. Recentemente, Byanca e Cris estiveram juntas em amistosos pré-olímpicos.

“Quando eu era mais nova, sempre tive muito espelho na Cris, ela sempre foi uma mulher que se posicionou em tudo. Hoje, é casada com a Ana, tem um filho, Bento, que despertou em mim a vontade de ter filho também, jogando futebol, de entrar com meu filho dentro de campo.”

“É uma representatividade muito grande e que pra mim foi um exemplo. Por isso, procuro sempre me posicionar, sei que muitas meninas estão me vendo. Meu intuito é sempre encorajar, para elas serem o que querem ser. É muito fácil falar que mulher deve estar onde ela quiser, mas, no fim, na prática, a gente não vê muita gente fazendo isso, clubes aceitando isso”, pontua.

O futebol masculino LGBT em BH

O ambiente para o homem LGBT no futebol é ainda mais cruel. De diversas formas, há retaliação e um grande tabu em relação à orientação sexual de atletas. Em 2022,  o ex-volante Richarlyson, com passagens por Atlético e São Paulo, se assumiu bissexual em podcast do site ge. 

Durante boa parte da carreira, o ex-jogador foi alvo de homofobia e inúmeros comentários preconceituosos, num período em que ainda não tinha exposto sua orientação. Em entrevista, chegou a dizer que poderia ter tido tratamento diferente na mídia se não fosse a pauta relacionada à sexualidade.

Giovanni Della Croce/Foto: Arquivo Pessoal

Em Belo Horizonte, a falta de acolhimento e apoio no futebol foi o pontapé para a criação de diversos times LGBT. Giovanni Della Croce, de 39 anos, foi um dos precursores. Em 2017, ele foi a um treino do Bharbixas, primeira equipe LGBT de Minas Gerais, e acabou convidado para ser treinador. A partir daí, o resto é história.

Atuando como goleiro e treinador, ele foi campeão brasileiro – no primeiro ano da disputa da competição. Contudo, motivado por outro amigo, deixou o time para fundar outro: surgiu o Minotauros. Atualmente, Giovanni defende o Alianza Minas, time de Fut7, filiado à Ligay, liga esportiva nacional do futebol LGBT. A crescente de equipes explodiu no Brasil – são mais de 80 times. 

A ligação de Giovanni com o futebol começou quando ele ainda era criança. Durante boa parte da vida, jogou ao lado de héteros, em equipes amadoras. O preconceito em campo logo foi rechaçado. Ao No Ataque, ele falou da trajetória e dos percalços.

“Durante uma final, um torcedor adversário gritou pra mim ‘chuta nessa franga que ela gosta de dar o **’. E aí a nossa torcida foi para cima do cara, falou que se ele continuasse falando isso sairia de lá preso”, relembrou.

O desfecho da partida, contudo, foi vitória para o time de Giovanni.

Para ele, o preconceito e as provocações são motivadores para que se dedique ainda mais em campo: “A gente guiou dentro de campo. O meu time foi campeão e eu ainda fui eleito o melhor goleiro da competição ao final do jogo. Então ali eu provei que as provocações e o preconceito foram pequenos perto do resultado final”.

Os estereótipos no esporte

Para o goleiro, os estereótipos também influenciam no preconceito e geram limitações para os atletas, principalmente quando se trata das diferenças entre o ambiente feminino e masculino.

“O futebol feminino e o masculino são preconceituosos. Se a mulher joga futebol, ela é considerada lésbica, ela não pode ser uma mulher hétero jogando futebol. É igual a comparação com o jogador de vôlei, que é gay, mas o jogador de futebol não é gay. Quando falo que jogo futebol, falam ‘nossa, mas você é gay e joga futebol?’. Eu falo ‘isso é um problema?’. Então, querendo ou não, o machismo e o preconceito no futebol, seja ele masculino ou feminino, são muito grandes ainda.”

“O ambiente feminino é mais acolhedor, porque no futebol masculino, às vezes, se o jogador se assumir gay, ele vai sofrer um preconceito tão grande que nem consegue, por exemplo, se profissionalizar. Temos muitos jogadores no futebol LGBT que já foram profissionais e, depois que se assumiram, foram cortados de times”, opina.

As dificuldades ainda são muitas. Apesar da crescente criação de times e do apoio ao futebol LGBT, as equipes ainda vivem na sombra. Os próprios atletas arcam com todas as despesas relacionadas a espaços para treinar, viagens, hotéis, alimentação ou uniforme. Além disso, a busca por patrocínio é complicada, principalmente pela falta de visibilidade. 

“O que falta ainda para a gente é a visibilidade. Falta para a gente mostrar na imprensa, na televisão, em programas de esporte, que existe o futebol LGBT, que o futebol é para todos. Não temos essa visibilidade. E me assusta muito ainda o fato de às vezes eu conhecer gays que não conhecem o futebol LGBT. Não é só aqui em Minas, mas em todos os estados. São Paulo e Rio têm mais apoio, tanto de patrocínios, como tem mais gays que jogam futebol, aqui (BH) é mais difícil”

Giovanni Della Croce, goleiro do Alianza Minas

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