À mesa, Gabriel Milito ergue o olhar e, entre uma garfada e outra, comenta um detalhe do plano tático do Manchester City de Pep Guardiola. A conversa descontraída com os amigos – uns de vida toda e outros que fez havia menos de um mês – se estende ao fim da refeição e os acompanha pelos corredores do hotel do Atlético tarde adentro. Afinal, estar com “Gaby” é viver o futebol 24 horas por dia. E esse é um dos segredos do rápido sucesso do treinador argentino na Cidade do Galo.
Nem mesmo o mais otimista entre os torcedores poderia imaginar uma sintonia tão forte em tão pouco tempo. Milito rapidamente conquistou os corações alvinegros e transformou as perspectivas do Atlético. Nos últimos dias, o No Ataque ouviu dez pessoas ligadas ao treinador e ao clube, na busca por entender melhor a corrente que passou a unir o Galo e recebeu dos torcedores o nome de “Militização”.
Nas próximas linhas, a reportagem traz histórias de bastidores, depoimentos e percepções sobre o promissor trabalho do comandante do Atlético. Em menos de 50 dias, o argentino de 43 anos se adaptou ao clube, modificou o estilo de jogo e já colhe frutos: são oito vitórias, quatro empates, nenhuma derrota e um título conquistado.
Atraso justificado
Na tarde de 27 de março, Gabriel Milito colocou os pés pela primeira vez na Arena MRV. Antes de conceder a entrevista de apresentação como técnico do Atlético, o argentino e sua equipe se reuniram com diretores e integrantes da equipe de comunicação do Galo em um espaço privado do estádio.
Enquanto isso, jornalistas aguardavam para fazer as primeiras perguntas ao “Marechal”. A coletiva estava marcada para 16h30, mas atrasou alguns minutos. O motivo da espera foi a curiosidade de Milito. O ex-zagueiro “mergulhou” em uma apresentação sobre a história e fatos do passado recente do clube mineiro.
Quem estava naquela sala se impressionou com o interesse de Milito e dos auxiliares ao longo da reunião. O comandante argentino fez perguntas, observações e mostrou querer entender mais sobre o Atlético e seus torcedores. Só depois de estar plenamente satisfeito com as respostas é que ele foi ao encontro dos jornalistas.
Paixão pelo jogo
O grau de interesse de Milito pelo Atlético não surpreende. Afinal, o argentino é mesmo um apaixonado por futebol – especialmente pelo jogo que se desenvolve dentro das quatro linhas. O nível de envolvimento do comandante com o esporte ficou claro desde os primeiros dias em Vespasiano. O argentino assiste a partidas de diferentes ligas e gosta de conversar sobre o tema durante refeições, viagens e em outras oportunidades.
Não que Milito seja monotemático, mas a palavra “fascínio” – usada por uma das fontes ouvidas por No Ataque – descreve bem a relação do técnico com o jogo. O comandante se debruça sobre os adversários e o próprio time, busca referências nas principais equipes do mundo e não se cansa de falar sobre tática.
Certa vez, aliás, o técnico demonstrou insatisfação – em tom ameno e bem-humorado – com uma coletiva pós-jogo. Após a entrevista, Milito comentou com um funcionário do Atlético que os jornalistas fizeram “quatro perguntas iguais” e ele precisou fugir do roteiro e falar mais de tática para não dar as mesmas respostas para todos.
Adaptação e simpatia
Antes de partir para o campo, porém, Milito fez questão de deixar uma boa impressão nos corredores da Cidade do Galo. O CT, aliás, foi moradia para o argentino e seus auxiliares até que encontrassem apartamentos para alugar. Foi uma espécie de “imersão” no Atlético.
Segundo relatos ouvidos pela reportagem, o técnico rapidamente conquistou não apenas os jogadores, mas também o estafe e as pessoas direta ou indiretamente ligadas ao futebol.
Desde a chegada, Milito se apresentou como um profissional aberto para a comunicação e de trato simples e gentil. “Eu diria que ‘empatia’ é a melhor palavra”, contou uma pessoa que convive quase diariamente com o treinador. E tudo ocorreu muito rapidamente: “Está aqui há 40 dias, mas parece que já faz um ano”, completou a mesma fonte.
As pessoas ouvidas pela reportagem foram uníssonas em relação à adaptação de Milito e da equipe técnica: tudo ocorreu de maneira natural. Leandro Ávila (auxiliar), Sergio Di Bartolo (preparador físico), Patricio Morales (psicólogo) e Juan Manuel Cortés (analista de desempenho) conquistaram os demais funcionários do clube pela educação e simpatia.
Positivamente, a postura da comissão é comparada com a de um compatriota: Antonio “El Turco” Mohamed, técnico que passou pelo Atlético em 2022 e até hoje é benquisto internamente pela forma de conduzir o ambiente. Por outro lado, há quem diga que é quase o oposto do também argentino Jorge Sampaoli, comandante do Galo na temporada 2020, que se estendeu até o início de 2021 por conta da COVID-19.
Sampaoli recebeu críticas públicas de atletas e ex-dirigentes pela forma como tratava os integrantes da comissão técnica fixa do Atlético. Milito caminha em outra direção. Há diálogo constante com os profissionais que já estavam no clube.
E isso se reflete em campo. Destaque do time, o meia Gustavo Scarpa procurou justamente um auxiliar fixo, Lucas Gonçalves, nos corredores da Arena MRV para comemorar o gol do lateral-esquerdo Guilherme Arana na vitória sobre o Sport por 2 a 0 em 30 de abril, pela partida de ida da terceira fase da Copa do Brasil. Avalizado por Milito, Lucas participa ativamente dos treinamentos e brincou com Scarpa sobre a jogada ensaiada de escanteio, que deu certo e fez o Galo ampliar o placar.
Comunicação e treinos intensos
Não é como se Milito tivesse revolucionado os treinamentos no Atlético. Segundo relatos, muitos dos métodos são até parecidos com os de antecessores. O que muda, na prática, é o que o treinador cobra dos jogadores – e, é claro, a forma como transmite as informações.
Quem está no dia a dia conta que o nível de exigência é alto e sempre no sentido de tornar o time o protagonista ofensivo do jogo. Nos treinos técnicos, Milito “entrega a chave” aos auxiliares e é observador atento. O treinador assume o comando nas atividades táticas, corrige e incentiva os atletas. “Intenso”, “exigente” e “estudioso” foram alguns adjetivos utilizados para descrever a atuação do argentino.
“Milito tem realizado um grande trabalho. É um treinador muito organizado e competente, bem como sua comissão técnica. São muito comprometidos, analisam a fundo adversários e as partidas da nossa equipe”, disse o diretor de futebol Victor Bagy à reportagem.
Em alguns momentos, o próprio treinador participa dos treinos e esbanja a qualidade que teve ao longo de uma carreira vitoriosa como defensor. A trajetória na Seleção Argentina e no Barcelona, aliás, é bem vista pelos jogadores, que o respeitam também por tê-lo visto atuar em alto nível durante tanto tempo.
Com isso, o encaixe dos atletas com o modelo de jogo do argentino foi rápido. Internamente, entende-se que o treinador se faz compreender facilmente. Mesmo sem muitos treinamentos por conta do calendário cheio, ele consegue transmitir o que deseja dentro de campo e tem impressionado os jogadores com a didática.
“Existe um alinhamento muito grande com a comissão fixa e diretoria, havendo bastante espaço para diálogo e considerações de todos. Tem uma gestão muito eficiente com os atletas, motiva a todos, tem boa comunicação, didática e clareza de conceitos. É muito transparente na comunicação com os atletas”, destacou Victor.
Gestão de grupo
O trato de Milito com o elenco caminha lado a lado da relação positiva dele com os demais funcionários. A gestão de grupo é mais um dos fatores que explicam os bons resultados recentes do Atlético. Algumas pessoas relataram ao No Ataque que os jogadores estão mais empolgados com o trabalho e que o treinador tem a capacidade de envolver também aqueles que não são titulares.
Uma fonte ligada a dois atletas reservas destacou a simplicidade do comandante do Galo. Ele se coloca em igualdade com o elenco e sabe lidar com os profissionais ao seu redor.
“Gestão. Não quer o protagonismo. Não quer os holofotes, supremacia, ser melhor que ninguém”, respondeu essa pessoa, ao ser perguntada sobre qual seria o diferencial do treinador.
São várias as estratégias de Milito para manter todos motivados. Uma delas foi colocada em prática na finalíssima do Campeonato Mineiro contra o Cruzeiro, por exemplo. O argentino não revelou o time titular ao elenco na véspera. Os jogadores só souberam quem ia jogar na palestra no dia da partida. Com isso, o técnico conseguiu mantê-los bem preparados e com a expectativa de atuar.
Sintonia com a torcida
Milito entendeu rapidamente que não lhe bastaria a boa relação com jogadores e funcionários do Atlético. Assim, o argentino trabalhou com inteligência a comunicação com os torcedores alvinegros nas coletivas de imprensa. Não são raros os momentos em que ele manda recados diretamente aos atleticanos.
“Necessitamos do seu apoio, mas não somente nos bons momentos. Necessitamos do seu apoio quando a coisa não for tão bem, porque é o futebol e isso pode acontecer. Aí, precisaremos estar juntos e unidos. Sempre temos que estar juntos e unidos: na vitória e na derrota”, disse.
“Porque seremos mais fortes. Seguramente, dessa maneira, serão muito mais vitórias do que derrotas. Eu necessito que estejamos juntos. Que estejamos juntos nos momentos de felicidade, compartilhando isso, mas também estar junto nos momentos de adversidade. Aí é o mais importante. Mas tenho a certeza de que vamos fazer bem e vamos representar muito bem o escudo do Galo”, pontuou o técnico.
E as coisas vão muito bem. Das arquibancadas, torcedores atleticanos gritam o nome do técnico em todos os jogos e se dizem “Militizados”. Nesse embalo, numa comunhão entre time, comissão e torcida, o Atlético sonha com um 2024 vitorioso.
O resultado dos bastidores
Além do título mineiro, o Atlético alcançou triunfos importantes na Copa Libertadores e no Campeonato Brasileiro. O time conseguiu a classificação antecipada para as oitavas de final do torneio continental, com 100% de aproveitamento, e está em sexto lugar na Série A, tendo conquistado nove dos 15 pontos possíveis.
São 12 jogos de invencibilidade, com oito vitórias e quatro empates – 77,7% de aproveitamento. Foram 26 gols marcados e 10 sofridos. O único treinador a conseguir uma maior sequência invicta em um começo de trabalho no Atlético no século foi Abel Braga, com 14 partidas sem derrotas em 2001.
Embalado, o Atlético volta a campo para enfrentar o Peñarol nesta terça-feira (14/5), às 19h de Brasília. A partida, pela quinta rodada do Grupo G da Libertadores, será disputada no Estádio Campeón Del Siglo, em Montevidéu, no Uruguai.